Ao se fazer um “Raio-X” da
saúde brasileira obtém-se um diagnóstico nada bom: um índice de 1,8 médicos por
mil habitantes. Um índice vergonhoso comparado com países como Argentina,
Portugal e Espanha que apresentam 3,2, 3,9 e 4 médicos por mil habitantes,
respectivamente. E além da falta de médicos há o problema com a má distribuição
dentro dos estados brasileiros. Estados como Pará, Amapá e Maranhão, com
índices de 0,77, 0,76 e 0, 58 respectivamente, contrastam absurdamente com Rio
de Janeiro, São Paulo e Distrito Federal, com 3,62, 2,64 e 4,09 médicos por mil
habitantes, respectivamente.
UTI Amazônica |
Estes dados alarmantes
foram o estopim para a aprovação do projeto Mais Médicos, que está sendo motivo
das grandes discussões no país nos últimos meses. Resumindo-o, é um amplo
pacote para a melhoria do atendimento aos usuários do SUS (Sistema Único de
Saúde) através de investimentos em infraestrutura de hospitais e postos de
saúde, convocação de médicos brasileiros e estrangeiros para atuarem na atenção
básica de periferias e interiores e disponibilidade de 11 mil novas vagas em
cursos de medicina e o acréscimo de mais dois anos na carga horária do curso
(realização de “trabalho voluntário” dos universitários no SUS).
Olhando por esse lado, é um
desenvolvimento para o país, “enfim o governo está olhando para as necessidades
do povo, que bom!”. Mas muitos estão esquecendo-se de procurar saber as demais
áreas abrangidas e as consequências do projeto. A estratégia é uma alternativa
a curto prazo, apenas uma “pseudo-assistência”. E não é disso que o país
necessita.
Como sempre, o governo
brasileiro só decide fazer algo quando não há como esconder o problema. Falta
de médicos, desestruturação e precariedade na saúde não são problemas atuais e
agora querem resolver anos de insatisfação com medidas rápidas, mais uma
estratégia para enganar o povo. De que adianta a vinda de médicos estrangeiros
se depois de três anos eles retornarão aos seus países? Se até hoje os
investimentos feitos não solucionaram os problemas vivenciados pelos usuários
de hospitais públicos, quem garante que em três anos esse quadro vai mudar e
deixaremos de necessitar do auxilio dos estrangeiros?
Segundo pesquisa da CNT/MDA,
49,7% dos entrevistados são a favor da importação desses profissionais e 47,4%
são contra essa iniciativa. Pelo estágio que o país se encontra, a vinda de
médicos estrangeiros é necessária sim, mas não é justo o que o governo está
fazendo, colocando o povo contra os médicos brasileiros por questionarem as
medidas. Todo e qualquer trabalhador tem o direito de protestar algo que não
acha certo, é uma conquista adquirida e assegurada pelo regime democrático.
Baseando-se no Código de
Ética Médico, apresentaremos alguns dos argumentos contrários ao projeto (que
fique claro que não somos contra ao projeto em si, apenas objetivamos abrir os
olhos do povo para mostrar que há muitas lacunas que estão sendo encobertas):
Art. 7° - O médico deve exercer a profissão com ampla autonomia, não sendo
obrigado a prestar serviços profissionais a quem ele não deseje [...].
Art. 23 - Recusar-se a
exercer sua profissão em instituição pública ou privada onde as condições de
trabalho não sejam dignas ou possam prejudicar o paciente.
Quando o projeto caiu na
mídia, o primeiro questionamento foi o aumento do curso de medicina por mais
dois anos para que os alunos trabalhem voluntariamente no SUS. Um curso que já
é demorado, mais residência, mais especializações, ainda ter de fazer algo que
não lhe agrada. Ainda mais com toda a precariedade do SUS.
Nenhum médico de consciência
tem vontade de trabalhar sem investimento. É até falta de respeito para com o
paciente.
Art. 3° - A fim de que
possa exercer a Medicina com honra e dignidade, o médico deve ter boas
condições de trabalho e ser remunerado de forma justa.
O artigo já se auto explica. Mas abrange dois aspectos. Primeiro: as condições
de trabalho. Todos sabem como está a situação dos hospitais no Brasil, o
governo não investe devidamente. Segundo: em relação aos salários dos cubanos.
Todos já sabem que os médicos estrangeiros receberão bolsa de R$10.000,00; mas
será que todos sabem que será passado ao governo da ilha, para pagamento
posterior, o que pode fazer com que os profissionais recebam valores abaixo do
que é permitido pela lei brasileira? No fim, devem receber entre R$ 2,5 mil e
R$ 4 mil do valor total.
E mais, a Federação
Nacional dos Médicos (Fenam) solicitou à Procuradoria-Geral do Trabalho
investigação da relação de trabalho dos profissionais que atuarão pelo Mais
Médicos. A entidade alega que o fato de os médicos não revalidarem os diplomas
vai causar restrição de locomoção, o que, segundo a entidade, é uma das
características do trabalho escravo.
Art. 9° - A Medicina não
pode , em qualquer circunstância, ou de qualquer forma, ser exercida como
comércio.
Hospital em Fortaleza - CE |
Art. 10° - O trabalho do
médico não pode ser explorado por terceiros com objetivos de lucro, finalidade
política ou religiosa.
Aproveitando o “gancho” do
argumento anterior, em relação ao pagamento não ser feito diretamente aos
médicos cubanos. Ministério da Saúde Brasileiro firmou acordo com a Organização
Pan-Americana da Saúde (Opas) para que a entidade internacional buscasse
parcerias. Ou seja, os repasses financeiros serão feitos do Ministério da Saúde
para a Opas, desta para o governo de Cuba e, por fim, chegar às mãos dos
médicos, sendo que não usufruirão nem de 50% do valor total. E não terão
contrato empregatício.
Art. 19° - O médico deve
ter, para com os colegas, respeito, consideração e solidariedade, sem, todavia,
eximir-se de denunciar atos que contrariem os postulados éticos à Comissão de
Ética da instituição em que exerce seu trabalho profissional e, se necessário,
ao Conselho Regional de Medicina.
Boa parte da população está
condenando os médicos brasileiros por não apoiarem o projeto (os acusam de quererem
mais dinheiro pra si). Primeiro que é direito de qualquer trabalhador garantir
seu sustento e de sua família; um médico estuda pelo menos doze anos só para
entrar no mercado de trabalho e ainda está debaixo de pressão todo tempo pois
tem vidas em suas mãos.
Manifestação de estudantes de medicina em Teresina - PI |
Segundo, todos dizem “os
médicos cubanos são os melhores, a saúde no país é de alta qualidade etc”, mas
muitos só repetem o que ouvem; já estiveram em Cuba para saber se é verdade? Em
um texto do ex-presidente do CFM (Conselho federal de Medicina), escrito quando
foi avaliar a saúde em Cuba e tentar descobrir os motivos por não serem
aprovados nas provas do Revalida, escreveu:
“É incontestável que há uma
brutal estratificação e controle da prática médica. Lá o médico faz apenas o
que o Estado cubano lhe permite fazer. Isto significa adequar o seu
conhecimento às possibilidades provedoras do Estado, que por sua vez são, a
olhos vistos, limitadas e insuficientes, conforme nos foi apresentado pelas
autoridades cubanas da saúde e como nos foi possível constatar neste breve e
superficial recorrido [...] Os médicos recém-formados em Cuba não conseguem
aprovação nas provas de revalidação de diplomas no Brasil porque a sua formação
é deliberadamente limitada, com ênfase nos cuidados básicos – importantíssimos,
por certo, porém insuficientes para o exercício de uma medicina plena, como
precisamos e exercemos no Brasil [...] ”.
Logo, o ensino médico de
Cuba é sério, porém insuficiente às necessidades de nosso país, pois lá só
aprendem o que o governo, totalitário e que dirige a vida do povo, permite. E é
o que os médicos brasileiros estão questionando, pois pode causar consequências
graves aos pacientes daqui. Um médico estrangeiro sem experiência que receber
um caso inesperado, ainda mais em um interior e sem recursos, não terá muito o
que fazer.
O presidente do CFM,
Roberto Luiz d’Avila, afirmou em nota que acredita que a população brasileira
corre o risco de ser atendida por pessoas com formação médica insuficiente e
incompleta. “Se essa intenção fosse séria, o governo traria médicos preparados
para fazer cirurgias, trabalhar em UTIs e atender casos de alta complexidade.
Não há médicos pela metade e é isso que está sendo proposto. Se o médico
‘importado’ sem revalidação receber um caso grave, cruzará os braços.”
Art. 29 - Praticar atos
profissionais danosos ao paciente, que possam ser caracterizados como
imperícia, imprudência ou negligência.
Art. 33 – Assumir
responsabilidade por ato médico que não praticou ou do qual não participou
efetivamente (Trecho presente na parte que cita o que não deve ser feito).
Cada médico estrangeiro
deverá ter um supervisor e responsável brasileiro; até este ponto tudo bem, é o
correto a ser feito. Mas poucos sabem que se um deles cometer um erro e
prejudicar seu paciente, por imprudência ou imperícia, a responsabilidade
recairá sobre seu supervisor. Isso é certo? Os médicos não estão concordando
com esta medida; quem deveria ser cobrado por imprudência e negligência é o
governo, que tem a consciência dos limites dos profissionais que está
convocando.
Art. 4° - Ao médico cabe
zelar e trabalhar pelo perfeito desempenho ético da Medicina e pelo prestígio e
bom conceito da profissão.
Art. 22 - Apontar falhas
nos regulamentos e normas das instituições em que trabalhe, quando as julgar indignas
do exercício da profissão ou prejudiciais ao paciente, devendo dirigir-se,
nesses casos, aos órgãos competentes e, obrigatoriamente, à Comissão de Ética e
ao Conselho Regional de Medicina de sua jurisdição.
Por fim, mas não menos
importante, o questionamento principal dos médicos brasileiros é devido os
estrangeiros não passarem pelo teste do Revalida. Para tentar amenizar a
situação foi decidido que ao chegarem ao país, os estrangeiros devem passar por
120 horas de curso para discutir sete eixos: políticas de saúde no Brasil;
organização de sistemas de saúde; atenção à saúde; vigilância em saúde e
trabalho em equipe; atenção às doenças mais prevalentes; aspectos éticos e
legais e português.
O problema está presente ao
se saber que passarão mais tempo assistindo a documentários e a vídeos e
fazendo atividades relacionadas aos filmes do que visitando centros de saúde.
Como terão a devida experiência? O presidente do Simec (Sindicato de Médicos do
Ceará), José Maria Pontes, comentou, após um protesto organizado pelo sindicato
na segunda, 26 de agosto: "Isso é uma palhaçada. Como se aprende medicina,
português e legislação do SUS (Sistema Único de Saúde) em três semanas?"
De acordo com ele, o protesto não foi contra a vinda dos médicos, mas a favor
da aplicação do Exame Nacional de Revalidação de Diplomas Médicos (Revalida).
"Como eles vão exercer
a medicina sem comprovante da prática médica?", indagou.
Um dos argumentos da
Presidenta Dilma é que o programa é uma questão "humanitária" e que o
Brasil adotou "o mesmo padrão de 58 países do mundo" e ressaltou que
outras nações têm abertura bem maior aos profissionais estrangeiros. O que é
hipocrisia querer comparar o Brasil com esses países que são de primeiro mundo.
Apesar de o nosso país ser emergente, todos sabem que em questão de economia
somos independentes, mas quando se trata de problemas sociais, encontramo-nos
em níveis baixíssimos.
É preciso haver os
investimentos devidos na saúde pública, a implantação de uma carreira federal
no SUS através de concursos públicos realizados pelo Ministério da Saúde,
programas de interiorização do médico brasileiro e investir nas áreas de
medicina da família. A OMS (Organização Mundial da Saúde) se pronunciou,
defendeu que o país fortaleça seu próprio sistema de saúde para suprir a
demanda interna. É impossível dizer que a implantação do projeto não é de
extrema necessidade, mas é uma medida de curto prazo e com inúmeras lacunas.
Tudo
isso não passa de um corretivo, um modo de camuflar o grande problema da saúde
brasileira. Do que adianta esconder essa bomba agora, se com certeza ano que
vem durante a Copa a população não irá aceitar essa nova farsa e vai reclamar.
Não sabemos se eles irão adaptar-se na situação da saúde brasileira, acho que
só os que já tiverem experiência na África, é o único lugar com situação mais próxima
daqui.
A
resposta, a solução é investir na infraestrutura dos hospitais, quem já entrou
no Hospital de Emergências de Macapá, viu que ele não suporta o contingente de
pacientes, e bota pacientes nisso. Não adianta ficar colocando tapumes na
frente dos hospitais dizendo que irá fazer reforma logo agora governador, depois
deixar incompleto e dizer: “Se eu for reeleito, terminarei a obra que comecei”.
Estamos
fartos, precisamos de mais hospitais, de medicamento, enfermeiros, médicos, já
que alguns daqui simplesmente batem o ponto e vão embora (caso relatado em São
Paulo),precisamos de leitos... . Era pra ser investido aproximadamente em minhas
contas 100 bilhões do PIB (4% do total) na saúde, fora os vários impostos que
são investidos em várias áreas e uma delas deveria ser a saúde.
E
será que os médicos irão se adaptar a saúde brasileira?
Será
que os brasileiros se adaptarão aos novos médicos?
Vai
que pode ser assim:
-
Oi doutor. Estou com um cabeça que eu não aguento mais, já faz 1 semana. O que
pode está acontecendo?
-
Hola. Qué parte de tu cabeza duele?
-
O quê? Rola? Duelar? Como assim doutor, a minha cabeça doe.
-
Este dolor en su cabeza es muy fuerte, muchacho?
-
Mucha... o quê? Que droga o senhor tá falando? Que droga, eu vou no outro
posto, deve tá cheio, mas pelo menos eu entendo o doutor.
Levando
para o lado humorístico, é até engraçado, mas vamos reivindicar verdadeiras
soluções para os problemas da saúde brasileira.
Por
Tchica
Bruce Nolan
Nenhum comentário:
Postar um comentário